O Estado Laico, o Estado de Exceção e a Criminalização das Manifestações Populares: Reflexões sobre Direitos Fundamentais
Introdução
O Brasil, como um Estado laico e democrático, tem como pilares fundamentais a separação entre religião e política, a garantia de direitos humanos e a liberdade de expressão. No entanto, nos últimos anos, especialmente após as manifestações populares de 2013, observa-se uma crescente tensão entre esses princípios e práticas autoritárias adotadas pelo Estado para reprimir movimentos sociais. Essas práticas incluem a criminalização de ativistas, o uso desproporcional da força policial e a tentativa de institucionalizar um "Estado de exceção" sob o pretexto de proteger a ordem pública.
Além disso, grupos extremistas têm utilizado discursos religiosos para justificar ofensas, difamações e até mesmo violências contra minorias, ameaçando a pluralidade e os direitos fundamentais garantidos pela Constituição. Nesse cenário, o papel da Justiça é crucial para mediar conflitos, proteger os direitos humanos e evitar a consolidação de regimes autoritários.
Este artigo busca analisar como o Estado laico, o Estado de exceção e o extremismo religioso impactam as lutas sociais no Brasil, destacando o papel do Judiciário na defesa ou na repressão dos direitos fundamentais.
1. O Estado Laico e a Proteção da Diversidade
O Estado laico surgiu como resposta histórica aos conflitos religiosos que marcaram a humanidade ao longo dos séculos. Desde a execução de Sócrates por professar crenças divergentes até as Cruzadas e o Holocausto, a utilização da religião como instrumento político evidenciou a necessidade de separar as decisões estatais da influência religiosa. No Brasil, o Decreto 119-A de 1890 oficializou o caráter laico do Estado, retirando qualquer posição religiosa oficial e garantindo a liberdade de culto.
Os benefícios de um Estado laico incluem:
- Respeito à diversidade religiosa e ideológica;
- Proteção daqueles que não seguem nenhuma religião;
- Evitar o favorecimento ou preconceito contra determinadas crenças.
No entanto, ser laico não significa ser antirreligioso. Pelo contrário, o Estado laico promove o diálogo entre diferentes visões de mundo, garantindo que todos tenham espaço para expressar suas convicções. Infelizmente, esse ideal tem sido desafiado por grupos extremistas que utilizam textos sagrados, como a Bíblia, para legitimar práticas discriminatórias e antidemocráticas.
2. Extremismo Religioso e Discurso de Ódio
Nos últimos anos, observou-se um aumento no uso de discursos religiosos para justificar práticas intolerantes e excludentes. Muitos desses discursos são baseados em interpretações distorcidas da Bíblia e buscam impor uma única visão de mundo, marginalizando aqueles que não compartilham das mesmas crenças. Alguns exemplos incluem:
- Declarações homofóbicas ou transfóbicas justificadas como "defesa dos valores tradicionais";
- Ataques a minorias religiosas, como judeus, muçulmanos ou ateus, sob alegações de "proteger a fé cristã";
- Propagação de fake news e teorias conspiratórias apresentadas como "mandamentos divinos".
Esses discursos não apenas violam os princípios constitucionais de igualdade e liberdade, mas também criam um ambiente de polarização e ódio. A Constituição Federal de 1988 estabelece claramente que a liberdade de expressão não pode ser usada para justificar crimes como difamação, calúnia ou incitação ao ódio (art. 5º, IV e X). No entanto, muitos líderes religiosos e políticos continuam utilizando a religião como escudo para disseminar mensagens de intolerância.
De acordo com dados do Ministério Público Federal , entre 2013 e 2020, foram registrados mais de 1.200 casos de discurso de ódio relacionados a questões religiosas no Brasil. A impunidade tem sido a regra para muitos desses casos, reforçando a necessidade de medidas mais rigorosas para combater o extremismo religioso.
3. O Estado de Exceção e a Criminalização das Manifestações Populares
Após as manifestações de junho de 2013, o Estado brasileiro adotou uma postura repressiva caracterizada por arbitrariedades e violações de direitos fundamentais. Essas práticas podem ser compreendidas à luz do conceito de Estado de exceção , teorizado por Carl Schmitt e Giorgio Agamben. Segundo esses autores, o Estado de exceção ocorre quando o governo suspende temporariamente direitos e garantias constitucionais sob o pretexto de proteger o Estado.
No Brasil, essa suspensão manifestou-se de diversas formas:
- Prisões arbitrárias: Como o caso de manifestantes detidos por portar vinagre ou desinfetante. Em São Paulo, aproximadamente 40 pessoas foram presas em junho de 2013 sob a acusação de portar garrafas de vinagre, usadas como medida de proteção contra gases lacrimogêneos.
- Criminalização de ativistas: Líderes de movimentos sociais foram rotulados como "vândalos" ou "terroristas", mesmo sem provas concretas de crimes. Por exemplo, Fábio Hideki Harano e Rafael Marques Lusvarghi foram acusados de portar artefatos explosivos, embora laudos técnicos tenham confirmado que os objetos apreendidos não tinham potencial explosivo.
- Leis restritivas: Projetos legislativos, como o PL Antiterrorismo e a proibição do uso de máscaras em manifestações, buscaram criminalizar formas legítimas de protesto.
De acordo com dados da Constituição e Justiça , entre 2013 e 2014, mais de 500 pessoas foram presas durante manifestações populares, muitas delas sem justificativa jurídica adequada.
4. O Papel da Justiça na Criminalização das Lutas Sociais
O Poder Judiciário desempenha um papel ambivalente no contexto de repressão às manifestações populares. Por um lado, algumas decisões garantiram os direitos fundamentais dos manifestantes, como:
- Concessão de habeas corpus: Em julho de 2014, o Desembargador Siro Darlan concedeu habeas corpus a 23 ativistas presos preventivamente, reconhecendo a ausência de fundamentação jurídica para suas detenções.
- Críticas à Lei Antiterrorismo: Juristas alertaram sobre os riscos de criminalização política associados ao PL Antiterrorismo.
Por outro lado, o Judiciário frequentemente endossou práticas autoritárias, como:
- Decisões baseadas em "futurologia", sem provas concretas de crimes;
- Ignorância de laudos técnicos que contradiziam acusações, como no caso de Fábio Hideki Harano e Rafael Marques Lusvarghi.
O Supremo Tribunal Federal (STF), como guardião da Constituição, tem sido criticado por sua omissão em muitos casos de violação de direitos durante manifestações. Por exemplo, o STF ainda precisa enfrentar questões importantes relacionadas à constitucionalidade das leis que proíbem o uso de máscaras em protestos e à tipificação do "crime de vandalismo". Esses julgamentos serão decisivos para definir os limites entre o direito de manifestação e a repressão estatal.
5. Conclusão
O Estado laico é fundamental para garantir a liberdade religiosa e evitar conflitos entre diferentes crenças. No entanto, o caso brasileiro mostra que, mesmo em um Estado formalmente laico e democrático, práticas autoritárias podem surgir para reprimir manifestações populares. A criação de um Estado de exceção e a aplicação do Direito Penal do Inimigo revelam uma tendência preocupante de criminalização das lutas sociais, colocando em risco os princípios do Estado Democrático de Direito.
Para preservar a democracia, é essencial que a sociedade civil se mobilize contra essas práticas e exija o respeito aos direitos fundamentais. Sugestões práticas incluem:
- Promover educação cívica: Ensinar os princípios do Estado laico e democrático desde cedo nas escolas.
- Combater a desinformação: Criar mecanismos eficazes para identificar e combater a disseminação de fake news.
- Fortalecer as instituições democráticas: Assegurar que o Judiciário, o Ministério Público e outros órgãos de controle atuem de forma independente.
Afinal, o verdadeiro papel do Estado é proteger seus cidadãos, garantindo liberdade, igualdade e justiça para todos, independentemente de sua religião, ideologia ou posição social.
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